RUMORES

O Princípio do Fim
03/05/2010

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 Sessenta e cinco anos depois a ilha de Okinawa, símbolo máximo da ligação do Japão com o ocidente, ameaça pôr fim a uma das mais antigas e controversas alianças militares da história moderna. À medida que os protestos se multiplicam e as eleições se aproximam, a relação entre Obama e o Primeiro-Ministro japonês Yukio Hatoyama promete arrefecer rapidamente


  No domingo passado milhares de japoneses concentraram-se mais uma vez para protestar contra a presença militar norte-americana em Okinawa. A encabeçar o protesto estava o governador da ilha, Hirokazu Nakaima, e cerca de 30 vereadores de várias municipalidades da região. Embora pacífico, o protesto é o reflexo de uma onda de descontentamento que se vem acentuando há mais de uma década
  O governo de Yukio Hatoyama encontra-se agora numa posição delicada, após ter prometido resolver o problema até o fim do Maio, véspera de eleições para a Câmara dos Conselheiros, o órgão legislativo mais influente no reino asiático.
   Okinawa foi o palco de uma das mais sangrentas batalhas da segunda guerra mundial. Ocupada em 1945 pelas tropas norte-americanas, apenas em 1972 passou a ser novamente administrada por Tóquio. Na ilha ficaram mais de metade dos 47.000 militares americanos espalhados pelo território japonês. Hoje existem mais de 30 instalações militares na região. A base militar de Okinawa tem uma relevância estratégica extremamente importante para os Estados Unidos da América Está localizada entre o Japão, a China, Taiwan e a península coreana.
   Após o final da guerra o Japão comprometeu-se constitucionalmente ao pacifismo. A estratégia de defesa da nação passou, desde então, a estar completamente dependente da presença militar americana.
   À medida que os incidentes entre as duas comunidades se foram acumulando, cresceu também uma vontade generalizada de por fim à situação.
Entre 1952 e 2004 registaram-se cerca de 200.000 incidentes que resultaram na morte de 1.076 civis japoneses. Na grande maioria, quase 90%, tratou-se de acidentes de viação.

   No entanto o número de crimes perpetrados por tropas norte-americanas, como roubos, assassinatos e abusos sexuais, tem vindo a crescer nos últimos tempos. O estatuto especial destas tropas dificulta o trabalho das autoridades locais, que raramente desfrutam dos mecanismos legais necessários para processar os suspeitos, gerando um clima de impunidade que tornou a relação quase impossível
    Quando a Fevereiro de 2008 um militar americano foi detido pela violação de uma jovem de 14 anos o conflito assumiu novas proporções.
    O descontentamento não se resume à má conduta legal das tropas. As acusações de barulho excessivo, poluição e abusos ambientais levaram mesmo à reestruturação da presença estrangeira no país. Em 2006 foi assinado novo acordo que, entre outras mudanças, movimentou um grande número de tropas da região residencial de Ginowan para a zona costeira de Futenma. O acordo também recolocou 8.000 tropas na base americana de Guam.
   A mudança não foi suficiente para fazer calar os críticos Uma das vozes mais sonantes era a de Yukio Hatoyama, na altura líder do Partido Democrata Japonês, que acabou por ganhar as eleições legislativas de Agosto de 2009.
Desde então o novo Primeiro-Ministro prometeu encontrar uma solução para o problema, mas até agora todas as alternativas surtiram poucos resultados.
   A administração Obama já tornou a sua posição bem clara, espera que o governo de Hatoyama continue a honrar o acordo de 2006. Para o assegurar enviou recentemente a Tóquio o diplomata Kurt Campbell, que garantiu colaborar com as autoridades locais para resolver o problema até 2014, ao mesmo tempo que tornou claro que a retirada total era impensável.

      Para Mizuho Fukushima, líder dos Sociais Democratas e Ministra da Segurança Alimentar, Assuntos Sociais e Igualdade dos Géneros, a questão vai muito além da presença militar estrangeira do país. Enquanto discursava numa manifestação convocada, na semana passada em Tóquio, por uma plataforma de sindicatos, estudantes e grupos pacifistas e ambientalistas, disse,”Os americanos ainda não perceberam o que se está a passar no Japão. Não passamos a ver os americanos como inimigos. Passamos foi a ver que também temos muitos amigos no resto Ásia. Para mim é obvio que deixar de ter uma relação exclusiva com o ocidente em deterioramento da relação com os nossos vizinhos deixou à muito de ser uma prioridade para os japoneses”.
   Fukushima parece ter tocado na ferida. O governo japonês encontra-se hoje dividido entre aqueles que querem cimentar uma nova geopolítica e os que querem continuar concentrados na velha perspectiva ocidental.
   Uma sondagem recentemente publicada pelo jornal Asahi Shinbum revelou que Fukushima se tem tornado rapidamente numa figura extremamente popular, enquanto a opinião favorável ao Primeiro-Ministro tem caído em flecha.
   Movimentos semelhantes na Coreia do Sul, Tailândia e Singapura e a controvérsia em torno da base militar na ilha de Diego Garcia começam a comprometer a posição americana na região.
   Com eleições à porta e a coligação no poder dividida, Yukio Hatoyama fica rapidamente sem alternativas. Ou a administração Obama apresenta rapidamente soluções de forma a preservar a “relação especial” ou o líder japonês poderá não ter mesmo outra alternativa senão por termo a uma aliança deveras controversa no Japão.
   Aconteça o que acontecer o Japão preparasse para um virar de página histórico que terá inevitavelmente repercussões no resto do continente asiático.


Reportagem especial da PBS produzida em Outubro de 2009

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