RUMORES

Um Divórcio difícil
02/05/2010

Picture
  O crise politica na Bélgica pouco mais é do que um casamento de conveniência que se tornou inconveniente. À medida que as diferenças se acentuam e os Primeiros-Ministros se sucedem a solução parece cada vez mais impossível

   Alberto II deve ser hoje um rei infeliz. Ninguém parece ter a vontade necessária para pegar nas rédeas do poder do seu reino dividido por duas culturas distintas e, pelo menos por agora, incompatíveis
   O Primeiro-Ministro Ives Leterme, líder flamengo de pai e nome francófono, apresentou recentemente a sua demissão após o desmembramento da coligação bilingue que se aguentava à cerca de 5 meses. É a terceira vez que o faz desde Julho de 2008.
   O fim do acordo interpartidário deu-se após a desistência do partido liberal flamengo (Open VLD) devido a uma disputa sobre limites eleitorais no distrito de Bruxelas e ao controverso direito dos cidadãos francófonos viverem em zonas flamengas.
Desta vez a demissão torna-se particularmente embaraçosa, já que a Bélgica assume a presidência rotativa da União Europeia já em Junho. Para que o resto do continente também não fique paralisado, Alberto II ordenou que se multipliquem os esforços de modo a haver novas eleições assim que possível   

  As novas eleições dificilmente resolverão o problema, que persiste à décadas
   No centro da questão reside um conflito fundamental.
   “Países que aceitam uma política baseada em etnias, como o Sri Lanka, são insustentáveis”, disse Gie Goris, editor da revista Mo.
   Embora longe de um conflito armado, como no Sri Lanka, tal comparação não será assim tão absurda.
   Do Norte ao Sul da Bélgica as diferenças são brutais. Para além de hábitos, costumes e línguas substancialmente diferentes, a falta de um domínio público comum tornou a relação entre a minoria francófona e a maioria flamenga impossível As duas comunidades assistem a canais de televisão diferentes, lêem jornais diferentes, bebem em bares diferentes e vivem em zonas diferentes. O espaço comum é totalmente inexistente e como tal, é impossível estabelecer uma relação próxima que não seja meramente aparente.
   A situação precária deste “casamento” apenas foi possível regular através de um conjunto de regras rígidas Por exemplo, a nível linguístico cada região tem, constitucionalmente, que usar apenas uma língua, à excepção de Bruxelas.
   Ao mesmo tempo, o sistema de representação proporcional que vigora no país cria outro problema. É impossível constituir governo sem que se forme uma coligação entre as duas comunidades, obrigando sempre a um complicado debate e conjunto de cedências de ambas as partes.
   O sistema parecia infalível, salvo raras excepções, até às eleições legislativas de 2007. O resultado equilibrado das eleições levou a um impasse de 194 dias sem governo eleito.

   Para alguns analistas o problema poderia ser facilmente resolvido com a divisão oficial do país em duas nações distintas. Mas será mesmo isso que os Belgas querem para o seu país?
   Segundo uma sondagem produzida, em 2008, pelo jornal Le Soir, apenas 10% da população flamenga quer a independência
Kris Peeters, líder dos democratas Cristãos flamengos, também não quer essa separação radical, mas sim diminuir o alcance do governo federal em troca de uma maior capacidade de decisão local.
   Por outro lado, em caso de separação da nação, 49% dos francófonos responderam que desejavam que a Valónia fosse anexada à França.
   Seja como for, parece claro que poucos são aqueles que ambicionam uma separação total, embora o impasse apenas contribui para um fortalecimento das bases dos independentistas.
   A divisão do país também nunca seria um processo simples, por uma simples razão, Bruxelas.
   A capital é a única região bilingue do país. É mais rica que todas as outras e sem ela o resto do país pouco mais é do que subúrbio Por essa mesma razão nenhuma das comunidades está pronta a prescindir da capital.    
   Decidir para quem fica Bruxelas ia ser tão complicado e difícil de decidir que a maioria dos belgas preferem deixar tudo como está. Pode não ser o melhor argumento mas poucos são aqueles que estão preparados a abrir esta caixa de Pandora”, disse Gie Goris num tom irónico
   Também ironicamente, a União Europeia se vê envolvida neste complicado divorcio.
   Durante anos, a Bruxelas europeia utilizou o exemplo belga para demonstrar como se mantinha em harmonia duas comunidades distintas. Hoje a situação não podia ser mais diferente.
   Herman Van Rumpuy, Primeiro-Ministro belga entre Dezembro de 2008 e Novembro de 2009, parecia ser das poucas figuras consensuais e capazes de devolver essa “harmonia aparente” aos belgas. Ao nomeá-lo Presidente do Concelho Europeu garantiu a permanência do conflito, bem no coração das instituições europeias.
   Não existindo nem uma solução fácil nem uma figura consensual, o problema belga promete persistir numa altura em que Bruxelas, após ter posto o controverso Tratado de Lisboa em marcha, mais precisava de ser a “capital da união” do que a “capital da discórdia".


Reportagem especial produzida pela ABC Austrália em Abril de 2008

    Comentários/subscrição