RUMORES

Estranhas contradições
04/05/2010

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Estudios da Radio Ecclesia
  Em pouco mais de dois dias o jornalismo angolano passou de herói a vilão. Após terminadas as celebrações do dia internacional da liberdade de imprensa a estação de radio católica de Angola foi alvo de duras críticas, sendo mesmo ameaçada com um processo legal por parte das mais altas autoridades da nação.

   Durante as celebrações do dia mundial da liberdade de imprensa Angola foi palco de algumas das mais exuberantes declarações a favor da liberdade de expressão. Uma enxurrada de eventos tiveram lugar um pouco por todo o país de forma a cimentar o direito à distribuição livre de informação.
   No domingo passado, Carolina Cerqueira, Ministra responsável pela tutela da Comunicação Social, numa entrevista especial à Radio Nacional de Angola, não poupou elogios aos jornalistas angolanos, realçando frequentemente o papel central que a televisão e a radio devem assumir para a preservação da paz, educação e desenvolvimento económico do país. Acrescentou mesmo que o direito à livre troca de informação está protegido constitucionalmente pois trata-se de um elemento essencial para o mais correcto e justo desenvolvimento da democracia em Angola.
   Carolina Cerqueira visitou Lisboa recentemente para se encontrar com figuras influentes dos média internacional, de forma a pedir auxílio para o desenvolvimento da indústria da informação no estado africano.
   Também no domingo, o Secretário de Estado para a Comunicação Social, Manuel Miguel de Carvalho, discursou no Centro de formação de Jornalistas (CEFOJOR), em Luanda, salientando os sacrifícios que os jornalistas angolanos têm de enfrentar diariamente para distribuir a informação ao cidadão comum.      

    Cerca de 24 horas depois, Branco Lima, oficial do Ministério dos Assuntos Internos, convocou uma conferência de imprensa para apontar o dedo à estação de radio católica Ecclesia, pela cobertura de um dos casos mais mediáticos do ano.
   A detenção de José Tiaba da Costa, subdirector da brigada de trânsito de Benguela, acusado de violar uma jovem de 21 anos, foi inicialmente notícia de abertura em praticamente todos os órgãos de comunicação social locais.
   Segundo Branco Lima a Radio Ecclesia, ao persistir em cobrir o caso, tem vindo a denegrir, inaceitavelmente, a imagem das autoridades policiais, algo que o seu departamento não está preparado a assistir de braços cruzados.
   Entre outras ameaças deixou o aviso de que se a estação de Radio insistir em continuar a cobrir o escândalo será instaurado um processo judicial.
   Angola está relativamente bem posicionada no índex de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras, quando comparada com outros gigantes da região como o Zimbábue ou a Nigéria. Ocupa a posição número 119 num universo total de 175.
   No entanto está longe de poder exibir um registo limpo de incidentes de violação do direito à informação.
   No ano passado o caso de William Tonet, chefe de redacção da revista Folha 8, tornou-se num fracasso diplomático para o governo de José Eduardo dos Santos. Tonet viu o seu passaporte confiscado depois de publicar imagens do cadáver de Nino vieira. Chegou mesmo a visitar o tribunal sob acusação de “violação do princípio de respeito pelos mortos” e “incentivo à actividade criminal”.
   A revista Folha 8 tem sido alvo de repetidas ameaças e perseguição por parte das autoridades, que já apresentaram 69 queixas desde a fundação da revista em 1995.
Igualmente preocupante foi a suspensão da licença de transmissão da Radio Despertar, por 180 dias, apenas um mês antes das eleições de 2007, levantando serias questões quanto à capacidade do governo em aceitar um debate livre de ideias em período eleitoral.
   A mensagem, depois de um fim-de-semana rico em apelos à liberdade de expressão, não podia ser mais contraditória. Por um lado parece haver vontade de fortalecer a ideia de que os média angolanos desfrutam de um papel central nesta fase de enorme prosperidade económica do país. Mas por outro parece que os velhos costumes e a incapacidade de assimilar críticas legítimas prevalece ainda em Angola.

   Ismael Mateus, jornalista e professor universitário angolano, não tem grandes ilusões Durante as celebrações do dia internacional da liberdade imprensa deixou o aviso. “Os jornalistas angolanos têm de se organizar para defender o interesse comum”.



Debate da Radio Ecclesia sobre liberdade de expressão em Angola

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